Maria de Bethânia
Maria, do hebraico Miryam, vem do egípcio mrjt e significa amada. Segundo os evangelistas, Maria de Bethânia é aquela que seis dias antes da Páscoa ungiu Jesus na casa de Simão, o leproso pecador (cf. Jo 12).
Também dela se diz que Jesus expulsou sete demônios, ou seja, sua vida foi terrivelmente marcada pelo pecado, mas, a experiência que fez de Jesus foi tão profunda que a transformou numa “discípula”, por isso mesmo sua atitude passa a ser a escuta amorosa. Maria é aquela que está sentada aos pés do Mestre. (Lc 10,39. 42). Aliás, três vezes os evangelhos nos mostram Maria aos pés do mestre (Jo 11; 12).
Para os fariseus era um absurdo ver Jesus sentado e comendo na casa de pecadores (Lc 15,1-3). No entanto, Jesus gostava inclusive de jantar junto com os fariseus (Lc 7,36; 11,37; 14,1;). Mas em todos estes três jantares referidos ocorreram episódios que acabaram por tumultuar o ambiente. Maria de Bethânia, que ungiu Jesus no jantar na casa de Simão (Mt 26, 6-13; Mc 14, 3; Jo 12,1ss) usou um perfume muito caro e de grande valor. O perfume valia uns 300 denários, o que correspondia há um ano inteiro de trabalho. Maria de Bethânia tinha numerosos pecados (Lc 7,47.49). Que pecados poderiam ser?
Ora, se Bethânia era uma colônia de leprosos, e Maria era irmã de Lázaro (também leproso), onde ela conseguiu arrumar tanto dinheiro? Provavelmente trabalhando muito. Acontece que uma pessoa vivendo na colônia dos leprosos não poderia trabalhar fora da mesma. Que emprego teria esta mulher, senão atender aos homens leprosos daquela colônia?
Maria de Bethânia era prostituta de leprosos. Era um serviço terrível. Imagine a humilhação. E por realizar algo tão terrível acabou conseguindo ajuntar uma boa soma em dinheiro, já que o perfume era muito caro (Mt 26,7). Muitos pecados estavam concentrados em sua essência. Inclusive, faz um grande sentido com a unção de Jesus. Ele, que não tinha pecados, se faz pecado por nós e é ungido com um perfume que era a somatória de muitos pecados (cf. 2Cor 5,21).
São João diz que o perfume, além de caro, tinha um grande valor (Jo 12,3). Isso quer dizer que não tinha apenas um alto custo monetário, mas especialmente, tinha valor incalculável para a dona, já que era uma das ferramentas mais importantes em sua profissão. Ademais, era o símbolo de sua vida: a síntese de seu passado e o melhor investimento para o futuro. O valor aproximado desse perfume correspondia a 180 dias de trabalho. Maria quebrou o vaso depois de derramar tudo. Consagrar é dar tudo e ainda quebrar o vaso!
Interessante que São Marcos diz que o perfume era de nardo puro (Mc 14,3). Ela, a impura por profissão, usava o delicado perfume de uma bela flor que simbolizava a pureza.
Que gesto maravilhoso e profundo Maria teve ao quebrar o vaso. Se o perfume simbolizava seu passado (tudo que ela economizou para comprá-lo); seu futuro (os fregueses que conseguiria se perfumando); ao quebrá-lo simbolizou também o seu presente: naquele momento ela tomou uma decisão radical. Ao quebrar o vaso, quebrou também toda a possibilidade de voltar a pecar. Ela não deixou nada escondido. Naquele momento nascia uma nova mulher. Ao mostrar-se inteira para Jesus, acaba transformando-se, ali mesmo, numa grande discípula, que mais tarde estará sentada aos pés do mestre (Lc 10,38s).
Com certeza, quando ficou sabendo que Jesus iria jantar na casa de Simão, casado com sua irmã Marta, Maria de Bethânia ficou pensando no melhor presente que poderia lhe oferecer. Não encontrou nada mais valioso do que aquele frasco que continha o fino perfume. Vendendo seu corpo e leiloando sua dignidade, economizara o produto de seus ganhos para comprar o perfume com a finalidade de encantar e seduzir seus clientes. O gesto de quebrar o frasco e derramar todo o perfume aos pés de Jesus, significa que daquele momento em diante ela começou uma vida nova. Ela deu tudo. Não reservou nada para si mesma. Teve a coragem de se mostrar inteira diante de Jesus.
Maria de Bethânia torna-se para todos nós um modelo e um sinal. Com ela queremos nos despir de todos os nossos pecados, de todas as nossas fraquezas e hipocrisias. Com ela queremos aprender a entregar para Jesus todo o nosso passado, inclusive aquilo que é conseqüência de nossos pecados. Como Jesus acolheu Maria de Bethânia, queremos também ter a coragem de acolher, de tocar e permitir que nos toquem todos aqueles que estão jogados à margem da vida.
Com Maria de Bethânia queremos aprender a nos sentar aos pés do mestre. Sem uma verdadeira atitude de oração a vida perde o seu sentido. Com ela aprendemos a transformar a vida em oração. Aliás, a verdadeira oração é sempre uma releitura da vida à luz da misericórdia infinita do Senhor. Em nossos Recantos queremos que reine sempre um clima favorável à oração contínua e à meditação. O mundo tem medo do silêncio. O barulho acaba se tornando uma grande fuga. “Em Bethânia, não se agita para servir a Deus: contempla-O e escuta-O: quem tem Jesus tem tudo” (Pe. Dehon).
Uma outra dimensão muito importante que percebemos da atitude de Jesus com Maria de Bethânia, está embutida no citado texto da unção de Bethânia (Jo 12,1ss; Mt 26,6-13; Mc 14,3-9; Lc 7,36-50). São João é explícito em afirmar que faltavam somente seis dias para a festa da páscoa, quando Maria teve essa atitude de profunda conversão. É impressionante pensar na ternura de Jesus. Quantas vezes ele esteve em Bethânia? Quantas vezes dormindo naquela casa ele deve ter ouvido os passos de Maria, voltando depois de uma noite de pecado? E como ele esperou até o último momento... Jesus não desistiu de Maria de Bethânia. Ele também não desiste de nenhum de nós.
Maria de Bethânia levou muito tempo para se converter. Nem mesmo o grande milagre da ressurreição de seu irmão foi capaz de mudar seu coração empedernido e machucado. Parece que o mais forte em sua vida era o pecado. Jesus continuou acreditando em Maria de Bethânia mesmo tendo presenciado muitas de suas recaídas. Ela teve momentos lindos de oração aos pés de Jesus, e depois voltava para a prostituição. Jesus continuou esperando.
Jesus é o mestre do acolhimento para todos aqueles que caem ou recaem no pecado ou nos vícios. Ele não condena ninguém. Sempre há tempo! Mesmo que seja na última semana, como foi para Maria de Bethânia (Jo 13,1).
A conversão de Maria, sendo posterior à ressurreição de Lázaro nos mostra o carinho, a ternura, e, principalmente, a esperança em Jesus. Ele não desiste de Maria, mesmo depois de suas inúmeras recaídas. Deus não força, nunca! Jesus sempre propõe a graça de Deus e oferece o amor gratuito, absoluto, incondicional. Por isso também, Maria de Bethânia é o grande modelo para a restauração espiritual, de todos e de cada um de nós.
Um outro fato que chama nossa atenção é quanto à preocupação de Judas com o valor do perfume. Segundo ele, daria para ajudar muitos pobres e Jesus diz: “pobres, sempre tereis entre vós.”(Jo 12,8). A meu ver, o sentido profundo dessa frase de Jesus se relaciona com nossa pobreza interior. Nunca devemos julgar ninguém, pois cada um de nós tem áreas empobrecidas em nossa vida. A pobreza de que Jesus fala significa nossa miséria interior, nossos vícios, nossos pecados. Significa também que cada um de nós precisa lutar sempre contra essa pobreza interior.